Recomeço.

eu já tive medos que não eram meus
e por tê-los eu sabia que era preciso um grande desprendimento de energia para que nada saísse do lugar.

às vezes a gente acha que está num movimento de contrarregra mas, na verdade, está caminhando por aquilo que nos rouba a autonomia.

não é possível existir sem desagradar.
não é possível dizer não sem incomodar.
não é possível ser feliz sem fazer escolhas.

às vezes, se desprender de certas amarras exige muito mais esforço e energia do que continuar preso a elas. será que eu quero me desprender?

decepcionar o outro é difícil.
mas eu não posso continuar decepcionando a mim mesma.

no momento em que me escolho, frusto. eu sei.

ainda assim, prefiro depositar o meu esforço aqui.

porque ninguém pode exigir que eu abdique de mim.
ninguém pode achar que se abraçar é egoísmo demais.

o que é ser egoísta demais para uma mulher negra?

não foi nada fácil chegar até aqui.
mas poderia ter sido.

não vou, eu, romantizar essa merda toda.

hoje eu só queria descansar.
deixar que o meu melhor seja olhar para a janela e ver o dia passar.
me permitir ouvir os pássaros, cantando, as vezes.

quando eu estava grávida, volta e meia eu me sentava na cadeira de amamentação e ficava ali, balançando pra trás e pra frente, cantando músicas que vinham a mente e imaginando que Elis pudesse ouvir.

no balanço da minha introspecção tive meus melhores e mais importantes insights sobre a maternidade.

em que momento refletimos sobre a vida?

como vou saber o que eu quero se não tenho tempo, sequer, para questionar o que eu não quero?

hoje eu só queria me debruçar no silêncio e sentir tudo o que eu tiver pra sentir. sem que isso possa estar limitado ao tictac do relógio. sem que a vida esteja vendida pra poucos momentos de prazer exacerbado.

é por isso que, quando me escolho, me acolho.

me olho e penso: esse caminho aqui é o que eu vou seguir.

não porque seja melhor, mas porque é uma possibilidade.

os sonhos moram nas possibilidades.

e se hoje eu as tenho, foi porque ontem as construí

me escolhendo.

é por isso que talvez eu esteja aqui, repensando todos os móveis da casa.

mesmo que em certo momento eu perceba que já não adianta mudá-los de lugar.

chegou a hora de trocá-los por novos.

esses aqui já não correspondem à minha história.

eu preciso re-
começar.

e, pra isso, eu vou decepcionar.

não a mim.